quarta-feira, 27 de julho de 2016

Osama bin Laden, A.K.A. CIA Asset "Tim Osman"

De aliado a inimigo nº 1: Bin Laden

Sua trajetória - desde o tempo em que foi parceiro dos Estados Unidos até se tornar o terrorista mais temido do mundo

Carolina Pulici | 01/12/2004 00h00
O que fez com que um abastado jovem muçulmano, educado junto à realeza da Arábia Saudita, se lançasse numa guerra suja contra o país mais poderoso do mundo? A resposta, para o cientista político francês Florent Blanc se é que ela existe, passa por uma análise do mundo equilibrado sobre a tensão entre as duas superpotências, Estados Unidos e União Soviética, durante a Guerra Fria, e a intrincada relação do Islã com o chamado “ocidente”. Blanc é o autor de Ben Laden et l’Amerique (“Bin Laden e a América”, inédito no Brasil). O livro foi escrito a partir de sua tese de doutorado que, pasme, foi defendida na manhã do dia 12 de setembro de 2001, em Grenoble, sudeste da França, poucas horas depois dos ataques terroristas em Nova York e Washington.
Para entender Bin Laden e sua turma, é preciso viajar no tempo e no espaço. Nosso destino é o Afeganistão, e o ano é 1979. Ali, um punhado de rebeldes mal armados trocava tiros contra o recém-empossado governo comunista que, depois de um golpe de estado apoiado pelos vizinhos soviéticos, assumiu o poder, em 1978. O conflito que colocava em lados opostos um bando de nacionalistas contra o gigante nuclear parecia favas contadas. Afinal, a União Soviética já havia sufocado com mão de ferro outras revoltas do tipo no passado. No entanto, aquela seria uma guerra diferente. Primeiro, porque o inicialmente mal organizado movimento rebelde passou a contar com o apoio militar (que incluia armas e dinheiro) e logístico (que incluia treinamento e mais dinheiro) de outro gigante: os Estados Unidos. Não se esqueça que estamos no início dos anos 80, e aqui, sob a míope ótica da Guerra Fria, isso faz todo o sentido. Depois, porque os rebeldes estão unidos por algo mais forte que o sentimento nacionalista: a fé. São muçulmanos e estão dispostos a uma jihad, ou seja a uma guerra na qual cada soldado crê que os interesses de Deus estão acima do seu próprio. Além disso lutar nas montanhas desérticas do Afeganistão não é fácil (como os próprios americanos iriam saber 20 anos depois).
Apenas bons amigos
Marcado por um turbilhão de partidos políticos, grupos religiosos e clãs tribais, o território afegão é constituído por uma cadeia de montanhas que faz fronteira com a União Soviética, a China, o Irã e o Paquistão. Fincado entre a União Soviética e o Golfo Pérsico (a maior reserva de petróleo do mundo), está numa região de importância estratégica para os Estados Unidos, que desde a emergência do aiatolá Khomeini no Irã, em 1979, perdera seu principal aliado na região. Para os soviéticos, o Afeganistão interessa, sobretudo, pelas reservas de gás natural, imprescindíveis ao funcionamento de sua indústria. Assim é que, na opinião de Blanc, o Afeganistão dos anos 1970 é marcado sobretudo pela polarização da Guerra Fria.
Em 1979, a intervenção do Exército Vermelho solapou de vez o instável equilíbrio étnico e político do país. Em exatos 14 dias após a invasão, os americanos enviaram armas para o Paquistão, onde havia muitos refugiados afegãos – entre eles os futuros membros do Talibã, de origem pachtouns, etnia dominante no Afeganistão (38%) – e onde seriam estabelecidos os campos de treinamento dos que iriam combater nas montanhas afegãs. Sob a justificativa de que era preciso conter a expansão soviética no Terceiro Mundo, o presidente americano Ronald Reagan propôs armar os rebeldes afegãos, que chamou de freedom fighters (ou guerreiros da liberdade).
No começo dos anos 80, a guerra afegã atraiu a atenção do movimento islâmico transnacional. Por todo o mundo muçulmano, os ulemás – líderes religiosos – apelaram à “solidariedade islâmica internacional”, e interpretaram a presença dos russos no Afeganistão como uma invasão do Islã pelos infiéis. Nesse tempo e com esse discurso, destacou-se um jovem nascido na Arábia Saudita. Herdeiro de uma fortuna em seu país, ele viajava pelas capitais do Oriente Médio convencendo e patrocinando o engajamento de muçulmanos para a luta. Seu nome é hoje um dos mais conhecidos do mundo: Osama Bin Laden (ou “Ben Laden”, a grafia francesa – é citado em 4,5 milhões de páginas da internet. Perde para George W. Bush – 6 milhões –, é verdade, mas ganha de lavada de Tony Blair – 2,7 milhões – e Vladimir Putin – 600 mil).
Bin Laden passou a ser um dos principais fiadores da aliança anti-soviética, que colocou do mesmo lado os “jihadistas” muçulmanos e os americanos. “Bin Laden e a CIA foram felizes aliados pois, enquanto um recrutava os homens para lutar nas montanhas, o outro fornecia os fundos, as armas e os instrutores para treinar e formar os afegãos e os voluntários árabes em técnicas de combate de guerrilha”, diz Blanc. Com esses ingredientes, a guerra durou até 1989 e acabou com os soviéticos sendo expulsos do país.
Fim da lua de mel
A amizade acabou na manhã seguinte ao fim do conflito soviético-afegão. E, segundo Blanc, quase de imediato se instaurou um novo antagonismo de escala mundial. Isso porque os voluntários que foram combater no Afeganistão estavam motivados a restaurar um Islã verdadeiro, propagando a xaria – a lei baseada nos preceitos religiosos e tradicionais do Alcorão – onde quer que fosse possível. Mas o fato é que a saída dos russos retirou a “questão afegã” da agenda dos antigos aliados americanos, que se afastaram daqueles que cada vez mais viam como fanáticos. Na opinião de Florent Blanc, isso representou uma traição justamente no momento em que o Afeganistão estava arrasado pela guerra, explodindo em conflitos civis.
Neste contexto, Bin Laden, o mais eminente representante desses combatentes islâmicos, emerge para canalizar as reivindicações dos “jihadistas” frustrados. Sob seu comando, havia entre 4 a 5 mil combatentes dotados de um completo arsenal militar, vivendo em campos de treinamento em território paquistanês e afegão. Outra guerra não parecia estar tão distante.
E não estava mesmo. Em 1990, após as tropas iraquianas de Saddam Hussein invadirem o Kwait, os americanos revidaram e bombardearam o Iraque. Era a Guerra do Golfo, que colocava, dessa vez, os americanos como invasores do Islã. A instalação de uma base militar na Arábia Saudita, em 1991, para servir de apoio às tropas americanas que lutavam contra Saddam foi a gota d’água. Primeiro atraiu a revolta contra os americanos e depois fomentou uma oposição sem precedentes à monarquia saudita, que, apesar das relações comerciais com os Estados Unidos (que desde 1932 detinham o direito de exploração das reservas petrolíferas do país), mantinha as artes, a cultura e o direito nas mãos de um clero ultra-puritano. A presença de soldados americanos na terra que congrega dois dos mais importantes lugares santos do Islã – as mesquitas de Meca e Medina – pôs em risco a credibilidade da monarquia.
Contra o feiticeiro
Osama Bin Laden foi um dos primeiros a se juntar à grita contra essa nova invasão, revelando-se um dos críticos mais obstinados do “islamismo de fachada” da família real saudita. Se desde o fim do conflito com os russos ele vinha percebendo que para defender o Islã seria preciso esforços muito maiores, talvez globais, agora ele concluía que o próprio mundo muçulmano estava infiltrado de dirigentes que se deixaram corromper pela influência ocidental. Por isso, sua luta não estaria aliada a um Estado, não se limitaria a fronteiras, era preciso defender o Islã onde ele estivesse sendo atacado. Passou a financiar e dar apoio logístico aos mais variados movimentos de insurgência islâmica e, ainda morador da Arábia Saudita, declarou que expulsaria os americanos com as próprias mãos do território sagrado do Islã.
Isso lhe rendeu a perseguição do serviço de segurança de seu país, que chegou a congelar parte dos seus bens e a revogar sua cidadania. Bin Laden deixou a Arábia Saudita em 1991 para se estabelecer no Sudão, onde, paralelamente às atividades de formação de militantes da causa islâmica, formou sociedades comerciais e aumentou sua fortuna pessoal. Com ele, migraram milhares de combatentes muçulmanos e outros veteranos do jihad afegão (bem como suas respectivas famílias). De lá, passou a organizar o grupo chamado de Al Qaeda (ou “a base”), uma rede de colaboradores espalhados pelo mundo dispostos a uma nova tática de guerra: o terrorismo contra alvos americanos. Em fevereiro de 1993, fez explodir um carro-bomba no subsolo do World Trade Center, em Nova York, matando seis pessoas. Em outubro, atacou a embaixada americana na Somália e matou 18. Em 1995 e 1996 seus alvos foram os americanos residentes na Arábia Saudita. Primeiro, em Riad, cinco americanos foram mortos na explosão de um estacionamento. Depois, num ataque a uma base militar em Dharan, 19 morreram.
Sem base territorial e independente economicamente de um Estado, a rede terrorista de Bin Laden é, na opinião de Blanc, a única “a ter uma visão mundial de seu combate”. Assim, em 1996, o errante Bin Laden voltou para o Afeganistão, onde estava em ascensão outro movimento radical islâmico, que pregava uma moral estritamente religiosa: o Talibã, do líder Mulá Omar. Ali, Bin Laden continuaria protegido. E manteria intactos seus métodos de atuação.
Em 1998, promoveu ataques simultâneos às embaixadas americanas em Dar es-Salam, na Tanzânia, e em Nairóbi, no Quênia. Se depois do ataque ao World Trade Center, em 1993, já se havia detectado a conexão dos terroristas com antigos membros da milícia afegã treinada pela CIA, a resposta militar americana aos ataques na África revelou outra cruel ironia. Em busca das bases secretas da Al Qaeda no Afeganistão, os americanos não tiveram que procurar muito. Os campos de treinamento dos terroristas de Bin Laden constavam dos mapas da CIA, que os havia projetado e instalado no começo do jihad contra os soviéticos.
A pesquisa de Florent Blanc foi concluída antes de 11 de setembro de 2001. Mas a tese que deu origem ao livro – defendida apenas poucas horas depois dos atentados às torres gêmeas de Nova York e ao Pentágono – mostra que as raízes do conflito já haviam sido traçadas muito antes.

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